Oi, Maurício e Crislaine,
é um enorme prazer - e uma honra - tê-los aqui no nosso querido UEADSL, um evento do qual vocês dois já participaram, como professor e comissões, sinto saudades.
O tema do trabalho de vocês me toma por completo porque, antes de sair do Rio Grande do Sul para estudar em São Paulo, eu convivia muito com os "colonos" (como a gente chama por lá os campesinos), minha cidade é pequena e ir para o interior nos fins de semana e nas férias era muito frequente. E nessas idas, várias vezes ficamos, eu e minhas irmãs, hospedadas na casa de amigos nossos que moravam e trabalhavam lá. Assim aprendi que todos, desde criança, aprendem a cultivar a terra e cuidar dos animais, assim como aprender a fazer fogo no fogão à lenha, não tem como "brincar com os amigos da rua" todos os dias porque a rua é uma estrada e as casas muito distantes entre si. E sendo tão distantes, a escola rural era um espaço importantíssimo para a vida das crianças já que, sem ela, eles iriam interagir exclusivamente com os próprios irmãos e só uma vez por semana, por conta de eventos religiosos, teriam a chance de curtir uns aos outros.
Contar isso não é só saudosismo, é também uma forma de tentar trazer o que para mim significa essa cultura campesina que o trabalho de vocês aponta ser desprezada pelo desmonte das escolas do campo.
Não se trata de querer separar as culturas, mas é muito fácil perceber que as culturas com maior poder econômico e, portanto, maior alcance, acabam aos poucos apagando as culturas menos privilegiadas e de grupos menores.
Uma vez, Maurício, você me disse que cada estudante importa. Pois é, não importa o número de pessoas que cultivam determinados valores e práticas, sua cultura é importante.
É natural que, ao longo do tempo, aconteçam misturas. Do meu ponto de vistas, misturas são salutares desde que não venham apagar suas origens. A evolução reside exatamente nessa oscilação e nesse conflito entre manter e mudar e a escolha saudável é não precisar escolher. Em última análise, o conflito entre diferentes culturas não é um problema a ser resolvido. Com o tempo, cada grupo vai mudando e evoluindo sua forma de ver o mundo e isso é ótimo. Tenho certeza que alguém, ao ler o que vou dizer, vai pensar que sou hipócrita ou contra o folclore e a cultura popular, mas tentem ler de outra forma. Há alguns anos eu assistia um programa sobre o modo como determinados grupos em diferentes regiões do Brasil produziam artesanato, e como conseguiam sobreviver disso. Eu disse alguns? Não, isso foi há muitos anos, porque não existia nem internet nem celular e, portanto, não haviam iniciativas para vender pela rede os produtos locais, só eram vendidos para quem fosse lá, na grande maioria das vezes. Bom, minha "heresia" foi concluir, depois de assistir vários desses programas, que folclore era, infelizmente, um lugar onde o preconceito era mantido com muita força, pois todos os grupos eram compostos por mulheres e somente apareciam homens quando o assunto era a venda dos produtos.
Falo isso para indicar que nada é perfeito, não existe uma sociedade idílica na qual todos vamos ser felizes. Então, que bom que evoluem. Então, que bom que pode haver mistura. Mas também, só é bom quando não se tratar de uma mistura, mas da invasão de uma cultura por outra.
Vocês dois convivem com os dois mundos do qual estão falando, o campo e a cidade. Como vêem o que anda acontecendo? Acham que, além do fim da escola do campo, as tecnologias não abrem portas para uma miscigenação nociva, invasiva? Como podemos fazer algo para que esse tipo de relação mantenha o respeito entre os lados e o próprio respeito à diversidade?
Obrigada e parabéns!
beijos,
Ana